ARTIGOS
 
"O Frontón - Sensações e Interpretações" de Arantxa Ugartetxea Arrieta
 


O "frontón" é o lugar de encontro com o outro, com os outros e com a bola (pelota vasca). JAI ALAI é a denominação comum na cultura brasileira. Tem sabor de festa e competição esportiva. E o cenário dos "pelotaris". Este esporte basco deixou suas marcas aqui também. E, ao falar de marcas, quero sublinhar algumas sensações que têm a ver com a prática dos "pelotaris" neste esporte de características inequivocamente bascas, dentro do grande cenário brasileiro.

SENSAÇÕES

A sensação é uma impressão que faz parte da realidade e tem muito a ver com os sentidos, a estimulação, o sistema nervoso central, com a impressão física, com o mundo exterior e, como não, com a surpresa e o acontecimento. Tudo isto ocorre num "frontón", onde o corpo é o grande campo de negociação entre as diferentes interações. O medo e a dor dão lugar ao prazer que se sente e, embora, o "pelotari" não possa ir além da pele, cumpre a delicada tarefa de procurar entender na prática até onde vai o corpo.

É uma arte e a cena, além das alternativas funcionais, abre campos ao lúdico. Existe, portanto, uma sensação de produtividade e eficiência que, a seu modo, dá lugar à emergência e ao acaso, pois cria a expectativa de não saber o que pode ocorrer no transcurso da partida. O espetáculo pode ser quente, duro, frio, agradável, áspero etc... parece que estamos falando em termos que correspondem ao sentido do tato. De percepções recebidas pela pele, e, em realidade, o tato é o autêntico ponto de encontro entre el "pelotari" e a "pelota" que pega, goza, pega e lança.

A mão, órgão humano por excelência serve para pegar, reter, gozar, lançar etc... O fato de pegar de forma concreta dá a sensação de poder, é uma espécie de submissão da "pelota" à vontade do "pelotari". Ao mesmo tempo, é uma mão compassada que com a ajuda da cesta ou da pala tenta reproduzir em seus movimentos a dinâmica da vida que não deixa nunca de ser caprichosa, por isso não somente pega ou lança, como também goza. Em um determinado momento, sabe renunciar à possessão e a lança ao espaço. É um vai e vem e o acaso compartilhados sem apoderar-se totalmente nunca da "pelota". Que tato!

Tudo isso ocorre na geografia da sensação corporal. Cenário mediático por excelência, zona onde se arraiga e reproduz a cultura esportiva porque esta não suporta a desencarnação. O corpo do "pelotari" é o quadro-negro onde está escrita a cultura da "pelota vasca", a escultura onde se grava o signo e sua imagem corporal é uma condensação não tanto do que é, mas também do que gostaria de ser.

Sensações como, limite físico, prazer corporal, recompensa e sucesso dão colorido à vida, tornam-na mais fácil, mais agradável, alimentam as águas da imaginação e ajudam a fantasia. Fazem-nos viajar no tempo e no espaço como seres atemporais. Assim é a sensação do "pelotari", que ao som da música que a "pelota" toca torna-se pessoal, social e globalizante, totalmente integradora.

Por tudo isso, o entusiasmo dos "pelotaris" brasileiros ou em terras brasileiras converte-se numa vocação lúdica que os reconstrói por dentro num desafio que é a própria vida. Precisam da "pelota" para viver. É uma emoção muito profunda que se foi transmitindo nas famílias e também entre amigos e amigas. Eles são para mim excelentes amigos que me transmitem essa extraordinária sensação artística de ter a sorte na mão. "Frontón" soa a desafio, a espetáculo, a tenacidade, a caráter, pulso, tato e beleza, ingredientes pedagógicos fundamentais de uma educação esportiva. Conviver em São Paulo com a "pelota" e seu mundo é sentir-se entre gente singular, entre os quais transparece com nitidez o amor e a dedicação a este esporte dentro da diversidade cultural, experimentando a grande surpresa de uma sensação basca ilimitada.

INTERPRETAÇÕES

O "frontón" costuma normalmente ter grades para os espectadores, ou pelo menos um espaço apropriado para o público. O acompanhamento do jogo por parte do público, permeado de aplausos ou outras expressões é um símbolo da realidade de cada um dos que participamos do evento. Já que ao nosso redor há uma constelação de espectadores no transcurso da vida. Espectadores que, como no "frontón", influem em nós com sua atitude passiva ou ativa.

Da mesma forma que os momentos mais emotivos de uma partida de "pelota" são mais fáceis de recordar, a interiorização dos espectadores externos será maior se as sensações são maiores também. Por exemplo: a filha ou o filho de um "pelotari" interiorizará muito mais e com mais intensidade o sucesso ou o fracasso da partida que seu pai joga que qualquer outro espectador que não tenha vínculos tão estreitos. Entre as filhas dos "pelotaris" brasileiros o desempenho do pai tem tanta força que até o dia de hoje perdura com uma frescura e carga emocional fora do normal. Eu diria que até hoje continuam aplaudindo o mítico pai e "pelotari" não somente elas ou eles, mas também todos os familiares. E o "pelotari" que sabe que nas grades encontra-se o espectador que comove suas entranhas, joga a partida com vibrações especiais.

O público das grades do "frontón" vem a ser na vida diária, metaforicamente, essas pessoas importantes para cada um de nós, que continuam até o dia de hoje aplaudindo ou rejeitando nossas ações. Elas estimulam e motivam nossa inteligência e criatividade através desse espectador interior que vive em nós e que não é outro que o público exterior que interiorizamos. É esse espectador interior o que mantém com sua força as conquistas realizadas.

O evento do "frontón" é "como se" fosse a realidade da vida concentrada num espaço e tempo concretos. Vivencia-se o risco, o tato, o v�, a pegada, o gozo e a paixão, o movimento entre paredes, os limites, a norma, a competição, a honra profissional, o acaso e a emoção, rodeados por um público mais ou menos numeroso, seja externo ou interno, que estimula a partida.

A vida é a quadra onde se forja nossa identidade, contando sempre com aplausos e ausências dos espectadores, e, convertendo-se essas sensações em seus autênticos parâmetros. Precisamos do público para reafirmar ou rejeitar o que somos. Somente desta maneira chegaremos a ser espectadores de nós mesmos num mundo complicado e cheio de diversidades. Assim, conseguiremos sair da quadra com força e auto-estima porque graças ao beneplácito ou à rejeição do público fomos construindo essa capacidade indispensável à condição humana de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto da observação.

Desta perspectiva o "frontón" pode ser esse espaço lúdico de aprendizagem para a vida, sabendo distinguir com nitidez que a alternância das duas realidades, ou seja, o jogo e a vida estão separados, embora existam partes de uma na outra. Com a separação, aprenderemos a perder o excessivo poder mágico que colocamos nas coisas e diminuirá também nossa onipotência, pois nos deparamos com a realidade da vida, na qual a emoção sentida na quadra pode adquirir dimensões e matizes insuspeitáveis.